terça-feira, 3 de junho de 2014

“ Good Bye Lenine “



Agora, que o sol já se pôs todas as vezes sobre os telhados de Lisboa, escrevo a carta. Uma carta, é, como se espera, para os outros e para sempre. Para isso, conto as vozes que me levaram até onde me encontro agora, e essas, que não receiem ser esquecidas, pois só dentro de todas as contradições, pode residir a vivência. E toda a vivência tem um tema; encontrar a própria vida.
Apreendi o desamparo, num formato criativo e ardiloso. È recorrente, a minha ideia, de transformar qualquer idílio num drama, buscar amores, que, teimam em ser como se espera; sólidos e truculentos, vivos e incorrespondidos. Traídos por tudo. Erguidos. A esta maquinação dos amadores, pertence um inventário de regressos, a um lugar onde já não mora ninguém, e que, todavia nos remete sempre.
Encontrei, o desamor, essa ausência assistida; ao lembrar os terraços que ficavam um forno; o comboio da linha; as boleias para a praia; o bairro das vivendas para aprender andar de bicicleta; os patins brancos com atacadores; o passeio com os cães grandes; as cartas escritas á mão; a vitalidade pura e alguma animalidade; o cheiro de água de colonia; as festas no cabelo;  as pernas morenas esticadas sobre o teu peito; o meio do nada e algum lugar onde nos encontramos; a fúria que nivela tudo e a melhor parte da índole humana. Faz-me falta. Dizia, Pessoa; que, “...não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram.” Fui capaz de ter todas.
Cada desamor tem o seu desencanto; o seu desamparo próprio, e cada história, guarda o seu bocado. A minha história, a história mundial, ou a história da família, alinha-nos a trajectória e optimiza-nos os recursos, por contrário que pareça. Fica-se mais forte. O desamor resolve-nos. Sintetiza-nos. È verdade.
 O filme “Good bye Lenine”, assinala a trajectória descendente de Jãhn, seu personagem principal, que passa, de herói a motorista de táxi , referindo-se, simbolicamente,  á derrocada da RDA, e, com  humor, evidência a desgraça que a danificação dessa “ estrela vermelha “ pôde ainda provocar em alguns nichos de população; aqui, está o desamor na história mundial. Quando os prémios Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez e Mário Vargas Llosa, cortaram relações e estabeleceram um pacto de silêncio sobre as razões que sustentaram essa atitude, estão a ser devolvidos os desamores das histórias “entre pares”, entre famílias, nestes escritores de ”sangue”.

 Fassbinder e Henry Miller, em períplos, por desamores, nem sempre conformes, elogiam a vontade de querer construír uma vida que nos sirva; com menos ou mais “ lágrimas amargas” , e que, seja, ao mesmo tempo, uma experiência cínica e inocente secular e espiritual. Daqui, sempre autobiográfico e idiossincrático está esta história; a redescobrir, em dias e noites de liberdade e alegria sem fim. Deixo esta carta, á porta da tua casa, dois anos depois.

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