“ Good Bye Lenine “
Agora, que o sol já se pôs todas as
vezes sobre os telhados de Lisboa, escrevo a carta. Uma carta, é, como se
espera, para os outros e para sempre. Para isso, conto as vozes que me levaram
até onde me encontro agora, e essas, que não receiem ser esquecidas, pois só
dentro de todas as contradições, pode residir a vivência. E toda a vivência tem
um tema; encontrar a própria vida.
Apreendi o desamparo, num formato
criativo e ardiloso. È recorrente, a minha ideia, de transformar qualquer
idílio num drama, buscar amores, que, teimam em ser como se espera; sólidos e
truculentos, vivos e incorrespondidos. Traídos por tudo. Erguidos. A esta maquinação
dos amadores, pertence um inventário de regressos, a um lugar onde já não mora
ninguém, e que, todavia nos remete sempre.
Encontrei,
o desamor, essa ausência assistida; ao lembrar os terraços que ficavam
um forno; o comboio da linha; as boleias para a praia; o bairro das vivendas
para aprender andar de bicicleta; os patins brancos com atacadores; o passeio com
os cães grandes; as cartas escritas á mão; a vitalidade pura e alguma
animalidade; o cheiro de água de colonia; as festas no cabelo; as pernas morenas esticadas sobre o teu
peito; o meio do nada e algum lugar onde nos encontramos; a fúria que nivela
tudo e a melhor parte da índole humana. Faz-me falta. Dizia, Pessoa; que, “...não há saudades mais dolorosas do que as das coisas
que nunca foram.” Fui capaz de ter todas.
Cada
desamor tem o seu desencanto; o seu desamparo próprio, e cada história, guarda
o seu bocado. A minha história, a história mundial, ou a história da família, alinha-nos
a trajectória e optimiza-nos os recursos, por contrário que pareça. Fica-se
mais forte. O desamor resolve-nos. Sintetiza-nos. È verdade.
O filme “Good
bye Lenine”, assinala a trajectória descendente de Jãhn, seu personagem
principal, que passa, de herói a motorista de táxi , referindo-se, simbolicamente, á derrocada da RDA, e, com humor, evidência a desgraça que a danificação
dessa “ estrela vermelha “ pôde ainda provocar em alguns nichos de população;
aqui, está o desamor na história mundial. Quando os prémios Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez e Mário Vargas
Llosa, cortaram relações e estabeleceram um pacto de silêncio sobre as razões
que sustentaram essa atitude, estão a ser devolvidos os desamores das histórias
“entre pares”, entre famílias, nestes escritores de ”sangue”.
Fassbinder e Henry Miller, em períplos, por
desamores, nem sempre conformes, elogiam a vontade de querer construír uma vida
que nos sirva; com menos ou mais “ lágrimas amargas” , e que, seja, ao mesmo
tempo, uma experiência cínica e inocente secular e espiritual. Daqui, sempre autobiográfico
e idiossincrático está esta história; a redescobrir, em dias e noites de
liberdade e alegria sem fim. Deixo esta carta, á porta da tua casa, dois anos
depois.